domingo, 16 de junho de 2024

Centro Espírita de Estudos Nossa Casa

Mesa de Estudos "O Livro dos Espíritos"


Algo interessante sobre Reencarnação


Na aula de Catecismo, quando o professor abordou o tema das penas eternas, fiz a seguinte pergunta:

- Padre... se após a morte eu for para o Céu, mas minha mãe for para o Inferno, poderei ser feliz, sabendo que ela está em sofrimento?

O religioso olhava-me surpreso, um pouco desconcertado, sem saber o que falar. Após alguns minutos que me pareceram horas, assim me respondeu:

- Menino... no paraíso, os salvos se tornam seres angelicais. Lá, não há mais lembrança do passado, já que todos se transformam em novas criaturas.

Prontamente, redargui:

- Reverendo... Uma lavagem cerebral, no Céu? Não acharia bom perder minha individualidade e esquecer o que fui e o que fiz.

O clérigo, não muito firme nos seus argumentos, disse-me que o esquecimento do passado imediato seria importantíssimo para que os eleitos pudessem gozar das venturas do paraıśo.

- O que se faz no céu? - retornei eu, nem um pouco satisfeito.

- Os seres tocam harpa e cantam hinos por toda a eternidade.

- Ah tá...

De imediato lembrei das aulas chatı́ssimas de acordeão, quando meu pai resolveu me fazer músico, o que certamente nã o estava nos meus planos reencarnató rios. A ideia de tocar harpa nas paragens celestiais por todo o sempre, me trazia certa dúvida quanto a ser realmente proveitoso habitar eternamente o paraı́so. Ainda, por cima, a informação de que teria que entoar cânticos de veneração com alguma frequência não me era muito apetitosa, quando na verdade, supostamente eu deveria estar fazendo algo em benefı́cio de minha mãe.

- Se é assim, então vou preferir que me enviem para o inferno. – Afirmei, já decidido de que o paraıśo não seria para mim. - Lá estarei com minha mãe e guardarei a memória integral do que sou e do que fiz — respondi, contrariado.

O religioso, então atônito, nada mais tinha a falar depois que eu usei apenas um pouco de razão e bom senso.

Parece-me muito infeliz e cruel o conceito de que os eleitos esqueçam o que foram na Terra quando retornam à vida Espiritual. Não seria desperdício passar a vida tentando ser alguém melhor, usar o tempo disponível para o trabalho que dignifica, estudar para obter esclarecimento, pagar boletos em dia, formar laços de amizade duradouros ou se comprometer em não estragar os filhos, se após todo esse esforço bastava ter se aprimorado na harpa e se dedicado ao canto lı́rico?

Se o diálogo, com o padre, tivesse de alguma forma recorrido à lógica Espı́rita, teria ficado mais satisfeito, pois ele poderia dizer que Deus concede à todas as criaturas a eterna misericórdia. E que minha mãe, ora em sofrimento, poderia ser ajudada e recuperar-se, vindo mais tarde, pelos próprios esforços a alcançar a felicidade, mesmo que em um plano diferente do meu por algum tempo. E esse pensamento valeria para todos os seres da Humanidade, mesmo que nem todos fossem tão excepcionais quanto mamãe, porque não há lógica em alguns se regozijarem das alegrias do Céu, enquanto outros sofrem eternamente as infelicidades do inferno, mesmo com todos os boletos pagos em dia.

A bem da verdade é que o conceito de Céu e Inferno está muito ligado à s sensações que o Espı́rito vivenciará após a morte. Alegria pelo bem que logrou e a tristeza ou o desespero pelo mal que causou. Contudo, a justiça divina explica que esse sentimento de prisão não é eterno, porque sempre é tempo para resgatar as faltas cometidas. O sofrimento que vem do remorso e da culpa tem duração indefinida para cada um, mas através do renascimento, todos os serem podem tentar de novo um caminho mais iluminado.

Agora, não é porque morreu, que o indivı́duo passa a ser automaticamente um ser de luz. Ele carrega consigo suas individualidades, seus defeitos e qualidades. Não vira Espiritualizado porque virou Espı́rito. E aı́ que a teoria do pecado original fica com as pernas ainda mais bambas. Imaginem se Eva e Adão, os chamados antepassados erráticos da humanidade, fossem responsáveis por todos os problemas relacionados à vida dos seres da Terra? Sim, porque o pecado original teria sido a origem das imperfeições do homem. Que justificativa teríamos para crer num Deus de amor que permitisse que um bebê nascesse organicamente perfeito, enquanto faltassem globos oculares a outro pequenino? Uma predileção? Sorte? Certamente, até Jesus se identificaria com o ateı́smo nesse caso. Mas não é assim que funciona. E aı́ que a teoria da reencarnação mais uma vez chega arrastando multidões pela lógica e belo bom senso, uma vez que coloca as vı́rgulas nas sentenças da eternidade, separando o caos da razão e pingando colírio nas vistas embaçadas da fé cega.

Disse um dia William Shakespeare: “No mesmo instante em que recebemos pedras em nosso caminho, flores estão sendo plantadas mais longe. Quem desiste não as vê”. E é pela certeza de que há para tudo um motivo, que devemos renovar sempre a esperança de acertar da próxima vez. Pode parecer cansativo e demorado, mas se abdicarmos da intenção de ver essas flores que estão mais longe, qual seria o sentido de existir? Somente ocupar espaço e consumir energia do universo? Para isso não necessitarı́amos de bom senso ou livre arbı́trio. Pretendo manter os meus e vocês?


Com base na Introdução do livro “Reencarnação - Questão de Lógica” de Américo Domingos Nunes Filho (Autor), Ed. EME